julho de 2011
Demorei muito tempo pra entender meu pai, coisa que acredito aconteça com muitos.
Entender o pai, aquele homem que aprendemos desde pequenos que deveria ter todas as qualidades de um super homem, mas que não é mais que uma pessoa que assume certo dia a missão de ser pai.
Não que tenha sido simples chegar a essa ponderação, antes disso me senti muitas vezes desamada, outras tantas revoltada...
Até que a maturidade chega e abranda a alma da gente na flor plena da mulher que desabrocha da menina que cresceu.
Nasci no ano em que a mulher votaria depois de três anos em nossa pátria céu de anil.
Imagine portanto que sou o embrião da mulher do futuro que despontava com novos valores e lugar no mundo.
Nas ruas de minha infância a mudança era presente, das vezes que saia junto com meu pai, ele me deixava dentro do carro esperando enquanto descia pra fazer alguma coisa no centro da cidade que crescia comigo.
Pela família grande tínhamos uma Kombi nesse tempo o que pra mim era bom pois suas varias janelas me proporcionavam ótimos ângulos de visão.
Observei as saias sendo trocadas pelos jeans nas mulheres comuns que agora tinham acesso a vasto arsenal de bobes, batons e blushes. Era a explosão da indústria que vinha caminhando a passos largos nos últimos anos e o inicio das mulheres no mercado de trabalho.
Nesse contexto eu não poderia ser de outro modo, eu sou a mudança do meu tempo, incorporei todos os traços da mulher atual, trabalhei cedo, mas não como funcionária, sempre fui muito independente, lembro bem que ia a escola depois dos quatorze de táxi quando me atrasava, a conta é claro, eu que pagava.
Comecei fazendo bijuterias depois que papai cortou minha mesada, e aos dezesseis já tinha minha grife de moda com uma bela clientela.
Depois disso nunca mais perdi o sabor da finança independente, seguiria com a moda por muitos anos ainda mas unindo a cada tempo, decoração de ambientes, produções de comerciais e alguns programas de rádio, uma revista com seis edições, terapias alternativas e mais alguns satélites entre criações e mão de obra... Até encontrar a nutracêutica e a imunonutrição.
A vida quando contada fica rápida e fácil, mas pra mim não foi, no tempo em que eu crescia, chegaram os filhos, cresceram os filhos, casaram alguns deles, me despedi de pessoas importantes e outras nem tanto deixaram meu cenário há tempos.
Uma das pessoas importantes de quem me despedi depois de minha mãe e um irmão, foi meu pai.
Uma semana antes...
Estava na casa de meu pai com meus cinco filhos...
... sentados na sala de visitas formávamos uma roda onde por mais de uma hora a conversa fluiu serenamente, bem diferente de outros tempo onde havia cobrança de ambas as partes.
Enfim a paz era selada entre nós entendíamos que cada um, eu como filha e ele como pai, havíamos trilhado simplesmente o caminho que nos cabia.
Ao nos despedirmos ele segurou minha mão e agradeceu a visita, disse que em mim naquela hora encontrou serenidade e paz de espírito.
Voltei pra minha casa com o coração feliz.
Meu pai estava com câncer há alguns anos não confessado à família ...
...o telefone tocou por volta da meia noite, minha irmã do outro lado da linha disse que haviam ligado pra ela do hospital onde meu pai dera entrada muito mal...
Seguimos pra lá eu e minha irmã, tínhamos 60km a percorrer naquela noite.
No quarto de um hospital de alto padrão estava deitado um homem bem diferente daquuele que me viu crescer.
Atordoado dizia coisas sobre os militares, pairando pelo passado distante muito provavelmente...
Ficamos eu e minha irmã um tempo olhando aquela cena sem que ele nos percebesse.
Minha irmã caçula chegou junto da cama antes de mim, fez algum carinho no pai que se despedia indo deitar-se na cama ao lado me deixando na vigília que combinamos revezar.
No silencio hospitalar cheguei pertinho dele e disse - pai estou aqui, sua filha Ivone, fique tranquilo, esta tudo bem - ele levantou a mão com visível dificuldade me aconchegando a face e disse - não esta não - e eu respondi segurando sua mão contra o meu rosto, - está sim pai, você criou seis filhos, fez o melhor que pode com a vida, afinal somos o que podemos ser, e agora ela esta dando um jeito de continuar de outra forma, precisamos de uma desculpa para nos livrar do corpo que não precisamos mais - beijei seu rosto com todo meu amor de filha, aconchegando seu braço junto ao corpo e arrumando as cobertas para que ele dormisse descansando daquilo tudo.
Lancei mão do livro que me acompanhava aquela noite, o evangelho espirita que estudava nesse tempo, abri deixando que ele próprio sugerisse sua página.
Assim vivi aquela madrugada lendo pro meu pai mensagens de alento que falavam além da vida que dele se despedia.
Bem cedo o hospital acordava em procedimentos habituais, enfermagem, banho...
Pelas onze o almoço foi servido as visitas.
Minha irmã serviu- se dele, eu sentei a seu lado para fazer o mesmo num gesto natural...
...não havia sentido o sabor quando na minha continua observação de meu pai no leite vi seu peito arfar, fixei meus olhos nele paralisada observando que suavemente inspirava seus últimos solfejos de ar.
Sobre o leito agora havia apenas a carcaça de uma vida que seguia...
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...PAI deixo essa homenagem de saudade
pelos dias dos pais que não pudemos estar juntos
como esse que chega breve...
sua filha Ivone
3 comentários:
Oi Ivone,q lindo o q vc escreveu sobre o seu Pai,fiquei emocionada,
vc é uma pessoa tão sábia espiritualmente,num momento tão dificil vc foi tão firme e ao mesmo tempo tão doce,q certamente ele sentiu essa doçura e compreendeu q sua jornada aqui estava chegando ao fim e a Paz q vc transmitiu foi importante pra ele.
Te admiro muito.
Fik com Deus.
Beijão da Doraci
Muito especial esse momento que só você passou com o pai e soube conduzir com serenidade. um beijo do mano Zanoni.
A vida tem me reservado esses eventos que me ensinam tão bem a celebrar a vida a cada dia!!
Obrigada a vocês que me presenteiam com suas presenças por aqui!!
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