Ivone Leão

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

No balanço das horas tudo pode mudar...





Hoje por aqui o dia está chuvoso e o céu cinzento me faz viajar a um tempo em que o céu parecia mais perto de mim...




As crianças eram quatro nesse tempo, as meninas, pequenininhas, brincavam por perto enquanto os irmãos estavam na escola e eu fritava os peixes para o almoço numa cozinha improvisada na varando de nossa casinha de madeira, que era pouco maior que aquelas das meninas com suas bonecas 'rs' acho que era mesmo como uma reprodução das brincadeiras de criança que eu encarava aquela experiência, pois pra mim tinha um gostoso sabor de aventura.


O pai das crianças depois da pescaria que o encontrava no despertar do dia trabalhava na obra da casa que era construída num mutirão familiar.

O alicerce, feito numa argamassa criativa de cimento, barro e areia ficara pronto e as paredes já surgiam nos ensinando o valor de cada tijolo assentado.

Difícil era alguém chegar a nosso pedacinho de terra litorânea, mas nos últimos tempos alguns fiscais haviam perambulado por lá orientados por uma mulher que não via com bons olhos uma família de não locais se estabilizarem por ali.

E foi justamente dois deles que nos visitou nessa passagem da manhã para a tarde nesse dia reservado para minha fé se apresentar como nas histórias de minha infância na escolinha da igreja.

... de supetão a paisagem se modificou com a presença daqueles homens, eram dois, o que aparentava mais idade trazia no rosto grave a aparência de anos de experiência naquela profissão _ fiscal _ sim, fiscal de obras, chegara ali indicado por aquela mulher que insistia em nos demover do propósito de criar nossos filhos nessa terra.

... logo atrás vinha outro homem que não pronunciaria palavra alguma durante todo o encontro, fotografou com uma polaróide que revelou nosso esqueleto de futuro lar permanecendo de olhos abertos e boca fechada enquanto o que se apresentou como fiscal nos notificava que daquele momento em diante nossa obra não poderia continuar...

Nesse momento eu já havia largado a cozinha me aproximando do estranho grupo que longe de amigos mais pareciam guerreiros urbanos naquela situação pra mim inusitada me fazendo inteirar do assunto...

 ...o pai das crianças de temperamento irritadiço e boa conversa trocava argumentos com o funcionário público quando eu entrei com minhas argumentações sem nenhuma dúvida de que aquilo não era justo com essa família que vinha realizando a visão modernista dos 'doze trabalhos de Hércules' com desenvoltura e honestidade de propósito...


Os homens, tanto o que argumentava quanto o que se mantinha calado ouviram, mas após a nossa assinatura na notificação, viraram as costas e seguiram sem olhar pra trás os sonhos que vieram acordar...


Nesse momento o homem que me acompanhava nesses tempos da jornada se tornou a imagem de um leão acuado, andava de um lado pro outro sem sossego ou direção, eu voltei à cozinha, pois o ritual de alimentar o corpo tinha que continuar, as meninas brincavam tranquilas como parte daquela natureza que nos envolvia cúmplice de tudo.

Minha mente não estava junto com meus gestos, numa meditação contínua tentei manter o foco no desejo de que algo mudasse as ações da última hora, não me dava por vencida, projetava a imagem de nossa casa pronta e com todos nós dentro dela.




Pensei na minha mãe e pedi numa oração de filha que a sabia num lugar perto dos anjos que me ajudasse...


Almoçávamos numa ação mecânica quando avistamos os dois homens de volta, o que não usava o verbo ficou mais distante, o fiscal que disse estar nos próximos dias se despedindo de sua profissão estendeu o braço devolvendo a fotografia nos indagando se até o nascer do outro dia conseguíamos cobrir de telha a construção, pois assim a obra não poderia mais ser interrompida.


Quando rápido acenamos afirmativamente eles se afastaram prometendo voltar na manhã seguinte.


... a noite chegou com o vento gelado invadindo todas as frestas daquela morada que guardava contornos rupestres, as meninas em sono solto, os meninos feito gente grande ajudavam como sempre, eu os mantive aquecidos com café puro e pão caseiro...

 ... nessa noite especial as telhas foram sendo colocadas uma a uma e como em pontos de tricô o amanhecer encontrou a nossa futura casa coberta por aquele manto...

Para meus dois filhos mais velhos...


Flávio Venturinne Clube de Esquina II







6 comentários:

Anônimo disse...

Ivone, adorável de se ler essa história. Um belo exemplo de perseverança e muito amor. Assim é que se vive bem.
Beijo no coração de vocês.
Manoel.

Ivone Carneiro Leão disse...

Amigo Manoel é gostoso partilhar experiências pois eu também encontrei na experiencia partilhada de outros um pouco de mim...

Obrigada pela presença afetuosa e fraterna!!

Zilma disse...

História bacana que ilustra muito bem que com certeza, tudo pode mudar no balanço das horas.
Bjs Zilma

Ivone Carneiro Leão disse...

Zilma,

a delícia dos anos vividos pra mim é esse maravilhosa experiência adquirida!!

Beijo!

Lua disse...

Mãe, te amo! e não esqueça dessas coisas que fizeram parte de nossas vidas. Nada foi a toa.

Ivone Carneiro Leão disse...

Que boa essa sua visão saudável!! Concordo plenamente filha!!

Obrigada!